segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Esperança....

Vou tentar falar-te da paixão que é viver aquele mundo e sentir aquelas pessoas. Daquele pôr-do-sol cor-de-laranja (o mais bonito do mundo!), daquela chuva de pingas grossas, tão grossas que nem deixam abrir os olhos tal é a força com que caem na descida do bairro Papelão até ao Paço Episcopal, a correr e a rir, de mão dada com a Manel e o Shirley do Lar de S.José que nos veio acompanhar no regresso a casa, daquela terra batida que se entranha no nariz e nos olhos e não nos deixa respirar nem ver direito tal é a nuvem cor-de-laranja que se levanta em dias de vento ou com a passagem dos carros, daquelas idas à praça em que a côr branca da nossa pele parece emitir luz tal é a quantidade de vezes que berram por nós “Branca!”, “Mundele!”, “Pula!”, “Latona!”, “Mulata!” ou simplesmente... “Moça!”, daquele mundo de contrastes e disparates em que o litro de água potável é mais caro que o litro de gasolina ou gasóleo, em que não há luz de cidade (porque a barragem foi destruída por uma bomba... há tempo suficiente para ser reconstruida mas... continua na mesma!) nem água canalizada, mas onde se asfaltam apressadamente avenidas para a visita do “Camarada Presidente Arquitecto da Paz”.


Tentar falar-te da forma como falam devagar, como cantam e batem palmas nas missas, como festejam, como dançam, como se negoceia na praça, como têm todo o tempo do mundo para “só ficar”, a olhar, a falar, a prestar atenção ao outro, ao que o outro tem para dizer, ao que o outro é, como se não houvesse nada de mais importante para fazer do que o estar ali “aqui e agora”.

Quero voltar e ajudar mais e melhor a erguer a cidade e a vida das pessoas, ambas esburacadas por uma guerra que durou uma eternidade porque deixou as casas, as estradas e sobretudo os corações e os sonhos destruídos, longe de Luanda (300 km e 7h de estradas de terra batida e asfalto chinês) e do que a Angola de alguns se está a transformar. E por isso, agora não se sonha. Aliás quer-se muito pouco ou quase nada. Apenas o que der para petiscar, dançar e ir vivendo, em paz, despreocupadamente... Finalmente! Às vezes, esta falta de ambição, de interesse e de vontade é desesperante para quem integra projectos de desenvolvimento, em que se quer ensinar a pescar, para não ser mais preciso dar de comer, mas às vezes parecem tão pouco interessados em aprender! (Mas, realmente, como posso querer mais se tenho todos os dias de me levantar as 5h30 para ir cartar água? Como, se durante os anos em que os jovens portugueses da minha idade cresceram a ver filmes da Disney e programas da Rua Sésamo eu andava no mato, a fugir, sem os pais ou um adulto que me pudesse proteger, para não ser levado à força para ser menino-soldado? Como, se a maioria das mamãs e dos papás viram os seus filhos a serem levados ou mortos ou obrigaram-nos a fugir para que não fossem levados?) Como diz um kizomba bem angolano: “para onde vão os sonhos?”


Mariana Koehler, Voluntária em Uíge (Angola)


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