terça-feira, 20 de setembro de 2011

Da realidade por vezes...

ou como nos fazem pensar em algumas coisas...

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"O lado b dos pais

Escrito por Eduardo Sá Domingo, 18 Setembro 2011

Não é verdade que os pais gostem sempre dos filhos e, sobretudo, que gostem de todos por igual. O que se passa para que, ao contrário do que desejam, pareçam preferir um a outro?

1. Se há o País do Natal e a Terra do Nunca o ordenamento territorial do planeta da infância devia prever um lugar para os pais. Um pedaço de terra sempre lhes daria outra credibilidade. De certo modo, logo haveria de se tornar numa incubadora de pais e não correriam o risco de ser apanhados desprevenidos, quando alguém se lembrasse de certificações comunitárias e formações só para eles. É claro, o lugar dos pais teria de ser entre o céu e a terra! Só assim se compreende que, sempre que imaginam os pais, as crianças os empurrarem sempre um pouco mais para o céu. Ou é porque o pai é tão grande, tão grande – aos olhos das crianças – que, com mais ou menos jeito, o supõem capaz (qual arranha-céus) de tocar as nuvens; ou porque, como Deus não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, esperam que a mãe (num sereno piquete) nunca deixe de estar. Ou, finalmente, porque os supõem a não se deprimir, a nunca ter medo e a jamais se cansarem.
2. Deve ser por isso - suponho eu - que, sempre que os pais sentem seja o que for, a propósito dos filhos, todos lhes exijamos que contem até três, antes de sentirem, e arredondem todos os sentimentos até à casa das milésimas. Ora, apesar da sua enorme bondade, os sentimentos dos pais pelos filhos nunca são perfeitos. E, pior, em muitos deles, têm um lado b, mais ou menos secreto e doloroso. Vejamos alguns desses recantos mais sombrios que existem nos pais…

Não é verdade que uma gravidez seja, quase sempre, um «estado interessante» e que a barriga pesada não se torne, de vez em quando, enfadonha e cansativa. Por mais que se queiram enamorados por um bebé, para muitos pais ele chega fora das horas marcadas e cai, qual turista acidental, no meio de brigas assanhadas, de divórcios que se constroem, silenciosamente, por mútuo consentimento, ou como elo mais fraco entre pais outrora cúmplices e, agora, estranhos.

Não é verdade que o bebé seja sempre um menino Jesus. Nalgumas vezes, no meio da ira insatisfeita de um bebé, o instinto materno vai de férias (por minutos) e fica à solta um lado b, feito de pensamentos feios, de berros intempestivos ou de abanões.

Não é verdade que, sempre que são, repetidamente, acordadas, as mães desçam do paraíso até ao berço. Por vezes, são – simplesmente – automáticas na forma como amamentam ou mudam a fralda (por exemplo) e, pior, resmungam, rezingam e… assustam.

Não é verdade que a licença de trabalho, após a gravidez, sejam férias de parto. Todo esse tempo tem momentos demasiado solitários, de liberdade condicional, de dor e depressão, que magoam pela intolerância que suscitam nos outros, como se não fosse compreensível outro estado de espírito da mãe que não fosse um olhar-zen para o bebé, pelo meio de gestos sempre ternurentos, amorosos e idílicos.

Não é verdade que os pais gostem sempre dos filhos e, sobretudo, que gostem de todos por igual. O que se passa nos pais para que, ao contrário de tudo o que desejam, pareçam preferir um filho ao outro? A forma como reconhecem naquele para quem guardam a animosidade tudo aquilo que mais os amarfanha em si próprios ou, por exemplo, as parecenças incómodas em relação a um familiar que não toleram; a história de sobressaltos que possa ter havido nalguns momentos da vida do filho, que pareça ser o preferido, que os leve um e outro a chegarem-se mais.

Não é verdade que os pais jamais vivam a inveja, em relação a um dos filhos, por uma vez que seja. Os pais também invejam os filhos. E, quando sentem que não podem competir com eles, deitam-nos abaixo. Quando lhe exigem que eles acedam a tudo o que um pai idealizou para si próprio para, logo a seguir, desejarem que um filho não conquiste e não concretize os seus sonhos como se, com isso, desqualificasse e minimizasse os pais.

3. Talvez não seja por acaso que, ao contrário da Terra do Nunca e do País do Natal, não haja um lugar para os pais. E, muito menos, que ele não fique entre o céu e a terra. É por todas as crianças terem convivido com um desses recantos mais sombrios que existem nos pais que, todos nós, idealizamos tanto a infância. Não é tanto porque ela tenha sido sempre boa. Mas porque, dessa forma, protegemos o lado b dos nossos pais."

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